segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

À espera

Pulsam, em meu corpo, dois corações, duas alegrias, duas vidas...
Em meu ventre cresce um ventre pequenino, de menino,
e, em meu peito, a esperança de vê-lo fazer-se homem.

Cada dia é um dia a mais para senti-lo
e um dia a menos para o instante em que o terei nos braços,
para o dia em que descobrirei, um a um, seus traços...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Corda bamba

"A esperança dança na corda bamba de sombrinha
e em cada passo dessa linha pode se machucar"
(João Bosco/Aldir Blanc)

Nem o equilíbrio, nem a queda
Nem tocar o céu, nem ceder ao chão
Nem o silêncio, tampouco o berro
Nenhum aplauso, nenhuma vaia...
Apenas um movimento incerto entre a partida e a estada.
 
Algo no meio, sem ser obstáculo
Algo se acaba, sem ser o fim
É um passo à frente, sem ter prosseguido,
um passo em falso entre o teto e o asfalto.

Um sonho oscila entre meu gesto e o teu,
tenta ser firme na corda bamba...
Cada gesto é um extremo da corda,
uma ponta do mundo,
um ponto a alcançar.
                                                                                                                                                                                                                                                                                         
O sonho persiste na corda bamba
Só um fio frágil sob seus pés
o separa da iminência do chão,
da segura conclusão de que não voa.
 
Mas o sonho segue em frente,
sem perdas e sem ganhos,
sem certeza, sem espanto.
Avança, intrépido sonho!
Avança enquanto é tempo de avançar!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Consolo

Para tudo nessa vida há consolo, minha mãe já dizia. A viúva se consola da perda do marido, mais dia ou menos dia. O bêbado se consola da bebedeira do outro dia, nem que seja no bojo de outra bebida. O desiludido se consola da ilusão primeira, cedendo à outra ilusão, ainda mais faceira. O trabalhador exausto se consola da vida amarga em um sonho doce e a dona de casa sofrida liga a TV e se sente menos desgraçada ao ver tantas desgraças que o jornal anuncia todo dia. Consolo... Ele está em qualquer lugar quando se está disposto a encontrá-lo. Há quem diga que o céu é o consolo dos vivos. Há quem ache que a morte é o consolo da vida, como se, sob a terra, aguardasse-nos o consolo de toda dor que sofremos sobre ela. A fé consola os que acreditam. O prazer, os que o desfrutam. A música, os que param para senti-la. Eu, por exemplo, consolo-me com palavras: escrevo-as, leio-as, aventuro-me em pretéritos imperfeitos e logo, logo, reconcilio-me com o mundo e comigo.

No fim, a fome.

Encontrei um homem em seu fim... Seu olhar já se desencontrava do mundo e de mim.  Postei-me a seu lado enquanto a morte lhe aguardava, maternal, e ele me confidenciou: “Faltaram”. Faltaram? Mas quem? Quem faltara a este pobre diabo, justo na hora final? A esposa, os filhos, amigos? “Quem faltou, meu senhor?”. E ele me respondeu: “Faltaram feitos, minha filha... Faltaram fatos, festas, fotografias... Faltei... Faltei comigo mesmo. Faltou firmeza, força, folia! Faltou fome... Faltou fome de viver”. E assim se foi com sua fome, com sua sede de ter sido mais de si.