quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Repousa.

Repousa, menina, teus olhos em mim... Repousa teus olhos, menina em mim.



Repousa, menina, em teus trajes de moça.
Repousa e sonha que o céu pousou na terra.
E a terra pensou que o mundo era livre...
Mas o céu acordou e teve medo:
O mundo era triste.
O céu chorou... E assim tudo foi chuva.
A chuva lavou os olhos dos homens
E levou os sonhos das meninas...
Acorda, menina, ensopada em teus trajes de moça.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Fábrica


   Ouvia-se o grito de um galo velho.  Ainda era noite, mas algumas casas já incendiavam luzes, vapor  pela chaminé. Os filhos do homem pobre desde já saiam de suas casas e tomavam  as  ruas. Eram homens imberbes, mulheres e crianças que marchavam como um exército pra fábrica.
   O barulho  das  máquinas era infernal. O calor era insuportável. O Fordismo tirava do homem a capacidade de ser um bicho e o transformava em uma máquina suja de fuligem.
   Os acidentes eram comuns, monótonos. Dedos e braços eram decepados friamente pelo progresso, pelo lucro. Os mortos eram jogados ao lado para que não atrapalhassem a produção. Capatazes eram pagos para que os operários não parassem. Mulheres foram estupradas para que não perdessem o emprego. Mães eram forçadas a abandonar seus filhos cinco dias após o parto. (E o que valiam  esses  filhos do homem pobre?) (Quanto valia o progresso?)
   Depois de algum tempo surgiram os primeiros Ludistas, que incendiavam fábricas e danificavam as máquinas. Mas ficou óbvio que isso não pararia as engrenagens do capitalismo. Ela estava cada vez mais faminta por lucros.
   Surgiram então os primeiros sindicatos, que deram origem as greves. Então, as fábricas pararam por um tempo. Então, os homens foram ouvidos. Os filhos do homem pobre.
   Os cartistas mostraram que a verdadeira engrenagem das fábricas eram feitas de veias que pulsavam sangue, e não óleo diesel. Mostraram que operários também podiam sonhar com o progresso.
   E governo o que fez nessa historinha? Bom, continuou fazendo o que sempre fazia. Mandou matar e prender os subversivos que atrapalhavam o progresso ( Que progresso?!).
   E todos os dias voltaram a ser iguais. O grito de um galo velho. O Vapor na chaminé. Os filhos do homem pobre marchando pra fábrica.

... mas não podia durar pra sempre!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vem!

Vem!
Vem com teu lençol.
Vem nua com teus sonhos mais bonitos.
Que hoje eu me vesti pra ti, amor.
Eu me vesti com as roupas mais bonitas.
E as saudades mais sinceras...

sábado, 11 de dezembro de 2010

Conjecturas

Não importa quantas vezes a vida nos prove que ela é imprevisível... Nós sempre tentamos prevê-la! Dessa mania nasceu “Conjecturas”...

Talvez seja brusco, repentino feito um beijo roubado... Que quando a gente lembra, parece durar mil anos... Ou até mais.
Talvez seja tranquilo, seja em paz, feito um sono sem sonho, feito a voz da mãe dizendo que ficará tudo bem... E se ela diz, ficará tudo bem.
Talvez seja ardido e selvagem como o coração de um apaixonado... Ou quem sabe seja curto e seco como um “nunca mais”.
Quem sabe seja doce como um “eu te amo” fluindo dos lábios de quem se ama...
Ou talvez seja amargo e sofrido... Como um silêncio gritante separando dois velhos amigos.
Pode ser eterno enquanto houver memória... Pode ser real enquanto a gente acreditar.
Pode ser que nem seja... E assim seja o fim...
Enfim.

Espero do futuro o que me trouxe o passado: o inesperado.




Foto de Ludmila Monteiro

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trazes...

Trazes a mão agarrada à minha.
Teus sonhos esboçados num sorriso.
Teu cheiro a embriagar a pele.

Tu traz a paz que, para mim, é merecida.
A alegria travestida em euforia.
O pão pra alimentar a fome.

O céu encoberto de estrelas.
Teu coração coberto de ensejo.
Os lábios cobertos de mel.

Trazes amor, 
o teu amor,
para aquecer a alma.

Oh, essa alma é minha.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Lágrima

   Ela chorava. Quis ele dizer que amava, mas não disse. Por que ela sempre chorava quando ele tentava ser sincero? – não sabia.
   Ficava triste com tudo aquilo. Jamais gostava de vê-la chorando e se esforçava pra isso. Quem sabe, talvez, fosse por isso que muitas vezes escondia o que sentia e por isso muitas vezes nada dizia. Talvez.
   Sentia a dor que ela carregava em seus olhos. Seu coração palpitava em dor por vê-la assim. Sofria com ela. Mas o que podia fazer? Ser sincero a machucava. Esconder o que sentia também. Só queria fazê-la feliz. Só queria fazê-la feliz. Mas uma escolha ou outra sempre a magoavam.  Culpava-se por fazê-la tão infeliz.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Ser ou não ser - eis a questão. Reflexão de Hamlet

Transcrição da fala da personagem Hamlet em obra de mesmo nome. Autor, William Shakespeare. Ato III, Cena I. Tradução: Millôr Fernandes:

"Hamlet: Ser ou não ser - eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias -
E combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir;
Só isso. E com o sono - dizem - extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer - dormir -
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepontência do mando, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem aguentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte -
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante - nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos pra outros que desconhecemos?
E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento.
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho,
Perdem o nome de ação (...)"

(Obra de Delacroix - 1798-1863 - Hamlet e Horácio no cemitério; Paris, Louvre)


Link da cena: http://www.youtube.com/watch?v=NzfkYW_UbfA

Mini-série da Globo "Som e Fúria", ano 2009. Personagens: Felipe Camargo (Dante Viana), Daniel de Oliveira (Jaques Maia) e Maria Flor (Kátia) - personagens principais desta cena - entre outros...