quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Reprise


Eu me repito sempre.

Mais que isso: eu me insisto, numa ânsia visceral de me fazer existir...

                Como o bem-te-vi que anuncia seu nome,

proclamando seu ser contra o céu.
 
                                                                        Eu me repito sempre,

feito um mantra ou algum refrão,

redescoberto a cada vez que se canta a canção.
 

Eu me repito em prosa, em verso e em papos por telefone...

Me repito em gritos, sussurros e no silêncio de me saber só.

Me reitero, persisto, persigo o sentido

daquilo que ecoa aqui – dentro de mim, dentro de mim.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Quando se abre a cortina


A cortina aberta revela um outro mundo...

Uma outra sede, que não é nossa, mas que sentimos...

Uma outra ferida, que não a nossa, mas que nos sangra...

Um outro jeito de doer, de sentir fome...

Outra maneira de arder e sentir frio...

E a violência nos atinge, mesmo incólumes

E o aperto nos excita, mesmo alheio...

E ficamos presos numa estranha liberdade

de poder partir quando quiser, mas não ir embora...

E nos livramos, por alguns instantes, de nossas próprias dores,

que só cessam quanto tudo cessa,

quando tudo se reduz a nada mais.

A cortina aberta revela outro mundo,

outro modo de assistir à nossa vida.

Vizinhança


Meus vizinhos, conheci-os todos de relance.

Relance de alegrias, de perdas e amores...

Conheci-os em gritos, em gemidos, em risadas

que escapavam do outro lado do muro,

muito mais íntimos que os cumprimentos vazios

que trocávamos  frente ao portão...


Meus vizinhos, os próximos-distantes,

só os conheci por acaso,

por uma arbitrária convivência lado-a-lado.

Só os entendi pelo hábito

de, volta e meia, romper o muro

erguido entre nossas rotinas.
 

Meus vizinhos diariamente invadiam minha vida com suas vidas,

adentravam minha casa com sua festas, discussões e reformas,

mas de um jeito tão natural e breve

que quase não me perdôo

por não ter mais que um cumprimento vazio

a oferecer frente ao portão.