segunda-feira, 25 de junho de 2012

As primeiras ondas [Texto Erótico]

Senti medo. Imagino que sentiste também. Mas teu medo disfarçou-se, cortesmente, para que o meu ficasse à vontade para sê-lo. Tua respiração alterada, quase contida, alcançava-me feito um gemido. Queimava a pele. Eriçava os pelos. Eu me perdia na imensidão de teus braços, na vastidão de teu corpo. Diluía-me, dilatava-me em teu calor. Havia um traço de avidez em teus olhos, em tuas mãos que me despiam com ternura, uma ternura quente que eu não conhecia até ali. Parecia impossível ir adiante e tolo tentar voltar atrás. Eram teus olhos nos meus o único motivo para sentir-me segura da entrega. Esquecia-me do medo no escuro dos teus olhos... E meu olhar escorregava por teu rosto, tão bonito e quase sereno, meio oculto pela luz fraca. O medo agora parecia vão. E era.
Foi natural e belo, visceral e sublime. Teu corpo foi de encontro ao meu como uma onda que se desfaz sobre a areia. A praia, ainda encharcada da passagem da primeira onda, acolheu então outra, mais forte, mais intensa. E outra. E outra. Os beijos úmidos indo cada vez mais longe. Mais uma vez. E mais outra vez. E ainda mais longe. A onda precipitava-se de um modo tão profundo que parecia sôfrega do toque da areia. E a própria areia levantava-se, no desejo por mais uma onda, por mais um beijo.
Assim meu corpo conheceu teu corpo... Assim desaguaste tua paixão em mim.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Perdoe esses meus olhos

Vivemos assim tão alheios do que é nosso, tão estrangeiros de nosso próprio território... E não é só em relação à cidade, antes fosse. É em relação à nossa arte, à nossa língua... Até mesmo, à nossa gente. E inventamos mil desculpas para acreditar que do “lado de lá” é melhor. Hoje não acredito nisso. E não por ufanismo barato... É que quando mais olho pra nossa arte, pra nossa língua, pra nossa gente, mas acho que tem coisas para olhar.

Perdoe esses meu olhos que te olham com olhos de passante,
que te olham sem olhar, só te roçam de leve.

Perdoe esses meus olhos
que não celebram tuas curvas como mereces,
que não se perdem em teus desvios,
nem pousam nos teus pontos mais íntimos (esses que tu mostras só pra mim).

Perdoe esses meus olhos, minha menina, minha mulher.
Perdoe não acompanhar teu alvorecer como um espetáculo,
teus primeiros raios de luz, teus primeiros barulhos ao acordar.

Perdoe esses meus olhos frios
que não contemplam teu frágil amadurecer,
teu crescimento rápido e silencioso...

Perdoe esses olhos que passam, ilesos, por tuas cores.
Perdoe-me se não agradeço todo dia por esses teus braços de luz.

Perdoe a moradora relapsa, que te esquece em meio a nomes sedutores de lugares distantes, nomes estrangeiros, além-mar, além-oceano, além do que eu possa imaginar. Perdoe esse meu gosto pelo que ainda não provei, essa busca agitada pelo que nunca senti.

Perdoe não parar para admirar tua beleza dividida entre verde e concreto...
Não sei descrevê-la... É uma aparência inquieta, que parece mudar quando se dobra a esquina...
Perdoe a caminhante distraída que te olha todo dia, sem se admirar um minuto que seja.

Perdoe esses meus olhos que não aprenderam a te olhar.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Tardes quentes


O sol desta tarde bateu em meu rosto,
Queimou-me as pálpebras,
Os lábios,
O sono.

Mas, meu irmão, não se assuste.
As tardes de minha cálida Teresina são assim,
Queimam o juízo dos homens, e de suas mulheres,
Que saem para labutar.

Ouço seus filhos correndo nos quintais de suas casas.
Moleques!
Benditos sejam.
São as últimas crianças, findo esses tempos.

O sonho


Emergira com o fôlego. Acordara de sobressalto, assustado. Respirava com ruído, e impelia, expelia ar em seus pulmões com violência. Ficou um tempo a olhar para os lados, tentando em vão saber onde estava. Já calmo, ouvia os sons que vinham de fora do quarto.
Desvencilhou-se dos lençóis e foi, pouco a pouco, descalço, de encontro à porta do recinto. Ao chegar à porta, fitou uma criança. Era uma menina. Viu sentada numa cadeira de balanço, mas não balançava na cadeira, permanecia quieta a olhar algo; tanto, que nem o reparou.
Tem essa menina a tez morena, gorda, e não parece ter mais do que 6, 7 anos de idade. Vestida num vestido de tons bobos, roso. Têm sardas e os cabelos escuros cacheados presos em tranças que só uma mãe muito zelosa é capaz de fazer.
Assustou-se. A menina era a mesma da foto que um dia vira há muito, demasiado tempo atrás. E cada traço da mocinha era o mesmo da foto de tons maculados de sua antiga namorada, com quem vivera intensa paixão, que se desfez.
Enlouquecera? – refletia.
Começava a se perguntar se a menina era um delírio. Tinha a certeza de que ela era a criança da foto que vira a tanto tempo atrás. A criança que depois se tornou a mulher que tanto amou... Isso lhe trouxe tontura, e a tontura o levou ao chão, e a violência da queda, o desmaio.
Acordou novamente a sobressalto. Mas desta vez, cálida mão lhe apertou o antebraço direito. Sustou-se. Olhou para a mão e, com os olhos rápidos, para o dono daquela. Era uma mulher... E ele a conhecia.
 Tinha ainda esta mulher as pupilas mui negras, e cabelos pretos com cachos nas pontas. Mas desta vez, diferente de quando se viram pela última vez, trazia consigo um olhar de ternura e lindo sorriso.
Achou-lhe diferente. Parecia tão mais velha do que lembrava, e via que a sua basta cabeleira trazia alguns fios brancos. Era ainda tão gordinha quanto lembrava. E tão linda, como outra jamais vira.
Ficaram então em silencio... Ela, então, tomou a palavra. Disse que há sete anos passados ele havia sofrido terrível acidente, e que ficara todos esses anos em coma. Parou de falar... Inspirou um pouco de ar e lhe disse que tiveram uma filha. “Ela corre agora lá fora”, disse. “Brinca quase o tempo todo com o meu irmão”. “É uma menina linda”. “Eu acho que puxou pra mim”.
Neste exato momento a menina entra, risonha, nos braços do tio.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A imaginação


Dos dedos do artista
saem coisas bonitas
e preciosas como arco-íris,
vento e sol.

Dos dedos do artista
saem rios, animais
e também uma chuva
azul com águas.

Dos dedos do artista
saem livros, papeis
e também lápis
coloridos e brilhantes.

(Ismenia Poliane) 

(Ismenia)

terça-feira, 5 de junho de 2012

A dama por detrás do rosto, o rosto por detrás da tela.


Para pintá-la precisava de certo distanciamento. Afastava-se do calor dos braços macios, do aroma de fruta doce... Só o que se prendia a ele era o olhar – firme, profundo. Costumava dizer para Luísa que ela tinha olhos de enxergar por inteiro. Seu olhar desvendava tudo: o ciúme, a melancolia, a saudade... Como era difícil manter os olhos nos olhos dela sem perder-se, sem esquecer da tela, da obra, de tudo! Engolia em seco o desejo. Ela não era sua. Não naquele quadro. Ela era do mundo. De todos que a mirassem, que admirassem seus cabelos cheios, que tentassem adivinhar quem era a dama por detrás daquele rosto mudo. Que tristeza a fazia quieta? Que amante a fazia nua? Seus mistérios de agora seriam mistérios de outros tempos. Seus segredos girariam sobre outras cabeças, sem resposta, sem cessar. Era dele a missão de fazê-la eterna. De gravar na tela aquele olhar que o invadia.
Pincelada por pincelada, o suor dele, o cansaço dela. Ele não exigia de Luísa que ficasse imóvel, só pedia para que sustentasse o olhar. Ela não se queixava, não questionava. Entendia a brasa nos olhos dele e sabia que era uma brasa diferente de quando eles se tocavam. Compreendia os movimentos agitados: mudanças de ângulo, o olhar querendo dividir-se entre ela na tela e ela na rede. Se ele partisse no meio naquele momento, ela entenderia... Sentia uma loucura parecida quando subia no palco. O êxtase, era o que queria do público. Doava-se inteira por isso. Doava-se sem medo por um segundo de êxtase da platéia.
Também era atriz quando posava para ele. Ele, seu diretor, preparava a luz, a posição de seu corpo, o cenário. Preparava até o seu silêncio: por vezes pintava-a de lábios entreabertos como se estivesse prestes a dizer... E nunca dissesse. Em outras, pintava-a de olhos perdidos, como se seu silêncio fosse o de uma recordação. Ele era minimalista em sua arte. E ela respeitava essa entrega. Queria ajudá-lo como pudesse. Não esperava ser nenhuma grande musa. Para ela, não havia nada de fantástico em seu rosto comum. Nada que não se achasse na mulher da padaria. Mas ele via algo. Algo em seu olhar.
Quando ele sentava-se ao lado dela, ela entendia que havia acabado. O pintor repousara, enfim. Ele não mostrava logo o resultado. Queria olhar um pouco mais antes de apresentar-lhe a versão definitiva. Por vezes, nunca a mostrava. “Uma peça ruim?”, Luísa perguntava. Ele aquiescia com um sorriso. Então, como se nunca houvesse ocorrido, a distância se desfazia em um enlace de corpos.

sábado, 2 de junho de 2012

A chuva e dança, saudade de minha infância


Se há uma coisa da qual sinto saudades,
Nos dias de melancolia,
É da chuva.
Mais especificamente, de dançar na chuva.

Sinto saudades de correr,
De braços abertos,
Com os moleques e meninas de minha infância,
Que desconheciam a tristeza de um bairro pobre.

Ah, se vocês soubessem como eu sinto saudades disto.

Lembro-me de chutar poças de água,
Às quais encontrava no caminho.
E tarde da noite, quando não do grito de meus pais,
Voltava pra casa, todo sujo de lama.

Depois de um tempo,
Que não demorou muito,
Fui proibido pelos meus pais de sair de casa, quando chuva.
Nem é preciso dizer que fora uma tortura para mim.

Até que um dia eu cresci. Claro,
Ainda ouvindo de minha mãe, não mais do meu pai,
A restrição de não mais sair, quando chuva,
Mas era tarde demais, eu dizia.

Pois agora adulto eu era 1/bilionésimo dono do meu destino.

Infelizmente, já não tinha mais graça sair de casa neste tempo.
Pois eu não mais via os moleques e as meninas de minha infância,
Mas adolescentes como eu, alguns já adultos.
E eu morria de vergonha de chutar poças de água.

Daí, então,
Resolvi olhar os que agora
Chutam as poças,
Da minha janela. 

Mulher sem nome próprio

- Bom dia. Preciso falar com... Com a...
Com quem era mesmo? Se bem que tanto fazia. Quem quer que fosse, de nada valeria. Necessidade não tem nome, tem pressa.
E daí se não lembrasse o nome dela? Tanta gente que ele não sabia o nome. Tanta gente que ele sabia o nome e não se importava. Ninguém precisava ter nome. Nome próprio... Próprio para quê? O nome não garante nada. O que importa é a serventia. Isso sim é importante. As pessoas deveriam ser chamadas pela sua área de interesse. O motorista, por exemplo, ele era o TRANSPORTE. A vizinha era o PRAZER. O patrão era o DINHEIRO, claro. Muito mais fácil, muito mais franco.
- Com quem o senhor deseja falar?
Que bobagem! Com ninguém! Não tinha querer nessa rotina. Tinha dever. A vida inteira dele era um verbo no imperativo: “DESCE! ENTRA! ESTUDA! CRESCE! TRABALHA! CASA! TRABALHA! ACORDA! TRABALHA!”
- É... Quero falar com a...
Ela não tinha nome, como ele. Ele era alguém, alguém qualquer. Ela, pra ele, era ninguém, era nada. Era pior que a... Era uma. Qualquer uma. Mais uma. Mulher sem nome próprio.
- Quero falar com sua patroa.
- A dona Dalva?
- É, a dona Dalva.
Dalva, era esse o nome da necessidade. Podia ser gorda, magra, triste, feliz, saudável, moribunda... Que diferença fazia? Ela era a “dona Dalva” da secretária, o EMPRÉSTIMO dele, ninguém de tanta gente... E ele? Ele era um pronome indefinido. Um cismar silencioso. Um grito... Sufocado na garganta.