terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Uma mulher sob o sol

Helena estranhava o sol como se a noite tivesse partido mais cedo. Gostava da noite: a noite namorava-lhe as curvas, os olhos pintados, a silhueta recortada sob a luz do poste. A manhã não... A manhã parecia multiplicar-lhe as rugas, as contas, as lembranças e a solidão. A manhã, do outro lado da janela, não lhe trazia promessas ou planos: era como um grande vazio, um clarão sem sentido. O barulho dos carros, das crianças e supermercados perturbava seu silêncio conformado. As pessoas da manhã lhe eram alheias, não lhe conheciam, tampouco a queriam conhecer. Andavam de um lado para o outro como se zombassem dela... Ou pior, como se não a vissem. À noite, era diferente: as pessoas a viam, cobiçavam-na, invejavam-na, lançavam-lhe olhares furtivos ou de clara reprovação.  À noite, sua sombra crescia, tomava a calçada e ela sentia algum orgulho da vida que, horas antes, envergonhava-a. Poderia até ser que as pessoas da noite fossem as mesmas da manhã. Mas de noite, elas não queriam ser as mesmas... Helena caminhava, praguejando contra o sol como se ele tivesse roubado sua sombra na calçada. Sob a luz do sol, sentia-se nada... Olhava as pessoas que não a viam e pensava "ser de todo mundo é que nem ser de ninguém".


Um comentário:

Ismael Alves disse...

MASSA! MUITO MASSA MESMO!!!