sábado, 2 de junho de 2012

Mulher sem nome próprio

- Bom dia. Preciso falar com... Com a...
Com quem era mesmo? Se bem que tanto fazia. Quem quer que fosse, de nada valeria. Necessidade não tem nome, tem pressa.
E daí se não lembrasse o nome dela? Tanta gente que ele não sabia o nome. Tanta gente que ele sabia o nome e não se importava. Ninguém precisava ter nome. Nome próprio... Próprio para quê? O nome não garante nada. O que importa é a serventia. Isso sim é importante. As pessoas deveriam ser chamadas pela sua área de interesse. O motorista, por exemplo, ele era o TRANSPORTE. A vizinha era o PRAZER. O patrão era o DINHEIRO, claro. Muito mais fácil, muito mais franco.
- Com quem o senhor deseja falar?
Que bobagem! Com ninguém! Não tinha querer nessa rotina. Tinha dever. A vida inteira dele era um verbo no imperativo: “DESCE! ENTRA! ESTUDA! CRESCE! TRABALHA! CASA! TRABALHA! ACORDA! TRABALHA!”
- É... Quero falar com a...
Ela não tinha nome, como ele. Ele era alguém, alguém qualquer. Ela, pra ele, era ninguém, era nada. Era pior que a... Era uma. Qualquer uma. Mais uma. Mulher sem nome próprio.
- Quero falar com sua patroa.
- A dona Dalva?
- É, a dona Dalva.
Dalva, era esse o nome da necessidade. Podia ser gorda, magra, triste, feliz, saudável, moribunda... Que diferença fazia? Ela era a “dona Dalva” da secretária, o EMPRÉSTIMO dele, ninguém de tanta gente... E ele? Ele era um pronome indefinido. Um cismar silencioso. Um grito... Sufocado na garganta.

Um comentário:

José Luis Guimarães disse...

Que texto lindo Beatrice. "Não tinha querer nessa rotina, tinha dever" Bela distinção, poucos percebem essa diferença. Parabéns!