sexta-feira, 15 de junho de 2012

O sonho


Emergira com o fôlego. Acordara de sobressalto, assustado. Respirava com ruído, e impelia, expelia ar em seus pulmões com violência. Ficou um tempo a olhar para os lados, tentando em vão saber onde estava. Já calmo, ouvia os sons que vinham de fora do quarto.
Desvencilhou-se dos lençóis e foi, pouco a pouco, descalço, de encontro à porta do recinto. Ao chegar à porta, fitou uma criança. Era uma menina. Viu sentada numa cadeira de balanço, mas não balançava na cadeira, permanecia quieta a olhar algo; tanto, que nem o reparou.
Tem essa menina a tez morena, gorda, e não parece ter mais do que 6, 7 anos de idade. Vestida num vestido de tons bobos, roso. Têm sardas e os cabelos escuros cacheados presos em tranças que só uma mãe muito zelosa é capaz de fazer.
Assustou-se. A menina era a mesma da foto que um dia vira há muito, demasiado tempo atrás. E cada traço da mocinha era o mesmo da foto de tons maculados de sua antiga namorada, com quem vivera intensa paixão, que se desfez.
Enlouquecera? – refletia.
Começava a se perguntar se a menina era um delírio. Tinha a certeza de que ela era a criança da foto que vira a tanto tempo atrás. A criança que depois se tornou a mulher que tanto amou... Isso lhe trouxe tontura, e a tontura o levou ao chão, e a violência da queda, o desmaio.
Acordou novamente a sobressalto. Mas desta vez, cálida mão lhe apertou o antebraço direito. Sustou-se. Olhou para a mão e, com os olhos rápidos, para o dono daquela. Era uma mulher... E ele a conhecia.
 Tinha ainda esta mulher as pupilas mui negras, e cabelos pretos com cachos nas pontas. Mas desta vez, diferente de quando se viram pela última vez, trazia consigo um olhar de ternura e lindo sorriso.
Achou-lhe diferente. Parecia tão mais velha do que lembrava, e via que a sua basta cabeleira trazia alguns fios brancos. Era ainda tão gordinha quanto lembrava. E tão linda, como outra jamais vira.
Ficaram então em silencio... Ela, então, tomou a palavra. Disse que há sete anos passados ele havia sofrido terrível acidente, e que ficara todos esses anos em coma. Parou de falar... Inspirou um pouco de ar e lhe disse que tiveram uma filha. “Ela corre agora lá fora”, disse. “Brinca quase o tempo todo com o meu irmão”. “É uma menina linda”. “Eu acho que puxou pra mim”.
Neste exato momento a menina entra, risonha, nos braços do tio.

Um comentário:

Beatrice Monteiro disse...

Texto ótimo, instigante. Parabéns!