segunda-feira, 18 de junho de 2012

Perdoe esses meus olhos

Vivemos assim tão alheios do que é nosso, tão estrangeiros de nosso próprio território... E não é só em relação à cidade, antes fosse. É em relação à nossa arte, à nossa língua... Até mesmo, à nossa gente. E inventamos mil desculpas para acreditar que do “lado de lá” é melhor. Hoje não acredito nisso. E não por ufanismo barato... É que quando mais olho pra nossa arte, pra nossa língua, pra nossa gente, mas acho que tem coisas para olhar.

Perdoe esses meu olhos que te olham com olhos de passante,
que te olham sem olhar, só te roçam de leve.

Perdoe esses meus olhos
que não celebram tuas curvas como mereces,
que não se perdem em teus desvios,
nem pousam nos teus pontos mais íntimos (esses que tu mostras só pra mim).

Perdoe esses meus olhos, minha menina, minha mulher.
Perdoe não acompanhar teu alvorecer como um espetáculo,
teus primeiros raios de luz, teus primeiros barulhos ao acordar.

Perdoe esses meus olhos frios
que não contemplam teu frágil amadurecer,
teu crescimento rápido e silencioso...

Perdoe esses olhos que passam, ilesos, por tuas cores.
Perdoe-me se não agradeço todo dia por esses teus braços de luz.

Perdoe a moradora relapsa, que te esquece em meio a nomes sedutores de lugares distantes, nomes estrangeiros, além-mar, além-oceano, além do que eu possa imaginar. Perdoe esse meu gosto pelo que ainda não provei, essa busca agitada pelo que nunca senti.

Perdoe não parar para admirar tua beleza dividida entre verde e concreto...
Não sei descrevê-la... É uma aparência inquieta, que parece mudar quando se dobra a esquina...
Perdoe a caminhante distraída que te olha todo dia, sem se admirar um minuto que seja.

Perdoe esses meus olhos que não aprenderam a te olhar.


Um comentário:

José Luis Guimarães disse...

Que bonito Beatrice! Depois desse texto, passarei a olhar mais para as belezas naturais e artificiais do lugar onde repousa a minha existência. Beijos!