Emergira com o fôlego. Acordara
de sobressalto, assustado. Respirava com ruído, e impelia, expelia ar em seus
pulmões com violência. Ficou um tempo a olhar para os lados, tentando em vão
saber onde estava. Já calmo, ouvia os sons que vinham de fora do quarto.
Desvencilhou-se dos lençóis e
foi, pouco a pouco, descalço, de encontro à porta do recinto. Ao chegar à
porta, fitou uma criança. Era uma menina. Viu sentada numa cadeira de balanço,
mas não balançava na cadeira, permanecia quieta a olhar algo; tanto, que nem o
reparou.
Tem essa menina a tez morena,
gorda, e não parece ter mais do que 6, 7 anos de idade. Vestida num vestido de
tons bobos, roso. Têm sardas e os cabelos escuros cacheados presos em tranças
que só uma mãe muito zelosa é capaz de fazer.
Assustou-se. A menina era a mesma
da foto que um dia vira há muito, demasiado tempo atrás. E cada traço da
mocinha era o mesmo da foto de tons maculados de sua antiga namorada, com quem
vivera intensa paixão, que se desfez.
Enlouquecera? – refletia.
Começava a se perguntar se a
menina era um delírio. Tinha a certeza de que ela era a criança da foto que
vira a tanto tempo atrás. A criança que depois se tornou a mulher que tanto
amou... Isso lhe trouxe tontura, e a tontura o levou ao chão, e a violência da
queda, o desmaio.
Acordou novamente a sobressalto.
Mas desta vez, cálida mão lhe apertou o antebraço direito. Sustou-se. Olhou
para a mão e, com os olhos rápidos, para o dono daquela. Era uma mulher... E
ele a conhecia.
Tinha ainda esta mulher as pupilas mui negras,
e cabelos pretos com cachos nas pontas. Mas desta vez, diferente de quando se
viram pela última vez, trazia consigo um olhar de ternura e lindo sorriso.
Achou-lhe diferente. Parecia tão
mais velha do que lembrava, e via que a sua basta cabeleira trazia alguns fios
brancos. Era ainda tão gordinha quanto lembrava. E tão linda, como outra jamais
vira.
Ficaram então em silencio... Ela,
então, tomou a palavra. Disse que há sete anos passados ele havia sofrido
terrível acidente, e que ficara todos esses anos em coma. Parou de falar...
Inspirou um pouco de ar e lhe disse que tiveram uma filha. “Ela corre agora lá
fora”, disse. “Brinca quase o tempo todo com o meu irmão”. “É uma menina
linda”. “Eu acho que puxou pra mim”.
Neste exato momento a menina
entra, risonha, nos braços do tio.